As políticas que concernem e tangenciam o uso e a ocupação do espaço urbano público, aí incluídas ruas, calçadas, ciclovias, avenidas e outros, têm sido um dos pilares das discussões sociais em Belo Horizonte, no Brasil e em cidades de todo o mundo. A razão para tal discussão, por vezes acaloradas e esvaziadas de racionalidade, envolve, entre outros fatores, a limitação da expansão urbana ao infinito e a ausência de processos que promovem o uso compartilhado e respeitoso destes ambientes.

A política de mobilidade urbana, compreendida para além do trânsito e do transporte, é uma das existentes e que se relacionam ao disputado uso e ocupação do solo público. Como em qualquer lugar do mundo, na capital mineira há conflitos sobre a utilização do espaço público e diversas incongruências que acabam por manter seu uso de forma antidemocrática.

Explicando: a frota de automóveis de Belo Horizonte cresceu 100% de 2005 até 2015, segundo dados do Denatran. Atualmente, a capital mineira tem um cerca de 1,5 carros para cada cidadã/cidadão. Esse dado, por si só, pode pouco significar, mas a título de contextualização é importante dizer que ele quer dizer que nossa cidade possui a segunda maior taxa de motorização (veículos/habitantes) entre as capitais, ficando atrás somente de Curitiba. Além, a capital mineira detém o título da segunda cidade com mais carros por km², estando atrás somente de São Paulo.

A despeito de, em média, 80% do viário urbano ser ocupado por automóveis, que ficam cerca de 95% do tempo parados/estacionados, os carros são responsáveis por apenas 33% dos deslocamentos da população belo-horizontina. Ou seja, 20% do espaços viários da cidade são utilizados para transportar 67% da população.

Para ir além da Europa, cujos padrões de sistema de mobilidade têm sido dados como referência, utilizamos um estudo promovido pela Stantec Consulting Ltd em Vancouver. Nele, a consultoria indica que os atrasos causados à circulação, em Vancouver, são sobretudo imaginários. Os motoristas criticaram que gastaram cerca de cinco minutos a mais em seus deslocamentos após a construção das ciclovias. No entanto, o estudo comprova que o atraso foi de cinco segundos a, no máximo, 1min37seg.

Ou seja, pessoas em carros perdem mais tempo para se deslocar em razão do aumento expressivo da frota, subsidiada com dinheiro público pela construção de viadutos, novas avenidas e enormes rodovias urbanas que abrem feridas nos corações das nossas cidades, e não por conta de um aumento no tamanho da calçada ou construção de ciclovias e ciclofaixas.

Para além da argumentação fictícia sobre estruturas cicloviárias atrasarem motoristas em seus caminhos, é preciso também compreender que o estacionamento em vias públicas é, tão somente, uma permissão que o Estado dá a quem possui carros, em detrimento da democratização do uso do espaço público. Ou seja, as vagas de estacionamento, mesmo que pagas (rotativo), são subsídios dados pelo Estado exclusivamente a quem tem carros, mas que são pagos por todos os cidadãos, inclusive aqueles que não possuem carros. Estacionar em vias públicas não é um direito, em lugar nenhum do mundo.

Voltando às ciclovias: a construção delas são, via de regra, uma solução extrema e que usam da segregação dos ciclistas com relação aos demais modos de transporte, para tentar garantir a segurança de quem está de bicicleta. No entanto, essa solução, como fora dito, é uma solução extrema e que pode ser usada em determinados casos, levando-se em consideração variáveis como a tipologia da via, o fluxo e velocidade dos automóveis, entre outros.

Para além do limitado universo das ciclovias ciclovias e ciclofaixas, há opções, usadas e encorajadas mundialmente, da América do Norte à África, da Ásia à Europa, de Recife a Curitiba, que partem de um princípio básico: a capacidade do ser humano de compartilhar e conviver harmoniosamente uns com os outros. São as chamadas Zonas 30, 20, ruas de bicicletas e áreas de pedestres. A utilização destas e outras opções é, economicamente mais barata e socialmente mais desejável, visto que encoraja seres humanos a conviverem uns com os outros, sem necessidade de mais segregações físicas.

Em recente pesquisa realizada pelo Movimento Nossa BH e pela BH em Ciclo, que contou com a parceria de mais de 30 instituições, e teve mais de 1.000 respostas, foi constatado que 62% dos ciclistas que responderam à pesquisa reconhecem o compartilhamento das vias com automóveis como uma possibilidade viável e 33% gostariam de entender melhor essa solução, desde que a seja limitada a velocidade máxima.

Motoristas estão, via de regra, estressados, com ou sem ciclovias, com ou sem redução de velocidades. No entanto, com ruas com limites de velocidade estabelecidos em conexão com a escala humana e em respeito à vida, nossa cidade ficará mais calma, sem perigo para nossas filhas e filhos, avós e avôs, para nós mesmos, além de mais agradáveis de se viver, com ar melhor mais limpo do que atualmente, com menos problemas de saúde que onera  nossos bolsos e matam nossos cidadãos. Com mais vida. Com mais de nós mesmos.

Nesse contexto, a BH em Ciclo – Associação dos Ciclistas Urbanos de Belo Horizonte compreende que a Operação Urbana Simplificada que envolve a rua Francisco Deslandes, por sua característica viária e pela capacidade dos seres humanos de conviverem harmoniosa e respeitosamente, deve receber, inicialmente, um tratamento de acalmamento do tráfego, limitando a velocidade no local a 30km/h, trabalhando a infraestrutura da via e dando prioridade às pessoas que por ela circulam a pé, de bicicleta, no transporte coletivo e, por fim, conforme previsto pela Política Nacional de Mobilidade Urbana, aos motoristas.

Tal fluxo significará, na prática, que a rua Francisco Deslandes será a primeira rua de Belo Horizonte que se comportará conforme padrões mundialmente estabelecidos de desenvolvimento urbano, político e social no que tange à mobilidade urbana. Será mais um exemplo a ser seguido, aqui e em outros pontos da cidade.  

#RetireaEmendaSergioFernando
#Zona30naFranciscoDeslandes