Depois de muito tempo sem ser lembrada, a bicicleta vem tomando outras proporções no cenário de Belo Horizonte, sendo pautada de diversas maneiras, inclusive na seara da Câmara Municipal. Isso demonstra que a mobilidade por bicicleta está ganhando destaque na cidade, gerando reflexos na repercussão e mobilização acerca do assunto.

O Projeto de Lei 1.500/2015, de autoria do Vereador Daniel Nepomuceno (PSB), recebeu parecer favorável da Comissão de Desenvolvimento Econômico, Transporte e Sistema viário, na segunda-feira, dia 11 de maio. Este projeto, cuja tramitação iniciou em 31 de março de 2015, propõe que usuários de veículos de propulsão humana recebam um curso de capacitação que aborde “legislação de trânsito, primeiros socorros, segurança no trânsito e cidadania” (Art 3º).

A BH em Ciclo está em total acordo com o texto de Resposta ao PL do vereador Daniel Nepomuceno Sobre a tal carteira de ciclista, do blog Cidade in Comum, que faz uma análise esclarecedora do projeto.

Em seu Art. 1º é citado o público alvo do curso – usuários de veículos de propulsão humana, como bicicletas, handbikes e similares, porém fica claro que outros veículos que podem considerados pelo CTB, como skates e patins, não foram considerados na abordagem.

A gratuidade do curso citada no Art. 2º significa que de alguma maneira os recursos sairão dos cofres públicos, nos resta saber a origem e quais as proporções destes gastos. Ao mesmo tempo,o Art. 4º dispõe que o certificado e a “carteira de ciclista” são de responsabilidade e custo do usuário. Ainda neste artigo, é apresentado que o curso de capacitação requer frequência e aproveitamento mínimos. Qual seria a efetividade de se cobrar um certificado e carteira de ciclista para uma capacitação deste tipo?

A grande polêmica gira em torno da obrigatoriedade deste curso, que não fica clara no texto do PL. Desta maneira, durante sua regulamentação (prevista no Art. 5º), esta obrigatoriedade poderá ser instituída, o que levará ao desestímulo ao uso da bicicleta enquanto meio transporte.

Não é possível comparar a bicicleta aos demais meios de transporte. Motoristas e motociclistas precisam ter mais de 18 anos para poderem dirigir. Já nos casos das bicicletas (assim como handbikes, skate, patins, patinetes), que são usadas desde a infância, esta obrigatoriedade atingirá crianças e adolescentes que pedalam nos bairros da capital mineira. Haveria, ainda, restrições a turistas, usuários do sistema de bicicletas compartilhadas e moradores de outras cidades que chegam a Belo Horizonte em seus deslocamentos por bicicleta.

A justificativa do Vereador para o Projeto de Lei é de “equilibrar a relação no trânsito, dando conhecimento das regras de circulação a todos os envolvidos. Os motoristas e os motociclistas, para terem o direito de trafegar com seus veículos nas vias publicas, passam por um processo de formação nas auto escolas e são submetidos a aprovação pelo DETRAN.”

Consideramos válida a intenção da capacitação a todos os envolvidos no trânsito, mas sabemos também que “os veículos de maior porte serão sempre responsáveis pela segurança dos menores, os motorizados pelos não motorizados e, juntos pela incolumidade dos pedestres” (Art. 29,  §2º do CTB). As estatísticas mostram claramente que o principal causador de mortes no trânsito são os veículos motorizados, e segundo a Pesquisa “ Descobrindo como BH Pedala”, mais da metade dos ciclistas já passaram por situações de violência psicológica (agressão verbal, ameaças e outras) e violência física (fechadas, cuspes, socos e outras).

A capacitação dos participantes do trânsito é muito importante: a BH em Ciclo desenvolveu e entregou à BHTrans material para aplicação em turmas de motoristas profissionais supervisionados por ela (ônibus, vans escolares e táxis). O material foi ministrado a uma turma de instrutores em 2014, com a promessa de se formarem turmas piloto e ampliação para atingir todos os motoristas profissionais da frota. Ainda não tivemos retorno sobre quando o curso será implantado em definitivo.

Além disso, a BH em Ciclo, através de aprovação de uma emenda do PPAG, conseguiu assegurar R$800.00,00 para a realização de campanhas educativas para a mobilidade por bicicletas no período 2015-2017. Para o ano de 2015 estão assegurados R$400.000,00 e para os próximos dois anos R$200.000,00 em cada um. É necessário assegurar que este recurso seja utilizado e as campanhas educativas sejam realizadas. Os recursos destinados a este fim ainda não estão sob responsabilidade dos gestores do Pedala BH.

Consideramos que a visibilidade gerada ao assunto seja uma oportunidade para que o Vereador Daniel Nepomuceno (assim como seus congêneres da CMBH) abra diálogo com os ciclistas para que o PL 1500/15 seja discutido e aprimorado, para que a capacitação seja um benefício aos ciclistas e não haja qualquer obrigação para porte de habilitação, conforme o Vereador afirmou em nota publicada nas redes sociais.

Outras propostas que precisam ser discutidas e encaminhadas à votação no plenário:

  • Alteração da Lei 10.285/2011, que permite apenas bicicletas de aro 12,14 e 16 em todos os parques da cidade e da Portaria nº 0023/2013, que estabelece as normas de conduta e regras de utilização pública dos parques administrados pela Fundação de Parques Municipais. Esta pauta é alvo de abaixo assinado virtual com mais de 973 assinaturas.
  • Criação de legislação que oriente a instalação de percentual de vagas para bicicletas em todos os novos empreendimentos com garagens e estabeleça prazo para adaptação dos imóveis anteriores.
  • Destinação de percentual arrecadado com multas para ações de estímulo ao uso da bicicleta (campanhas educativas, cursos de capacitação, manutenção de ciclovias…)

O Vereador Daniel Nepomuceno também é dirigente esportivo há alguns anos. Enquanto o América Futebol Clube já apoiou campanha educativa no Independência em 2012, o Clube Atlético Mineiro jamais retornou contatos sobre o assunto. Há que se notar também que o Clube é parceiro da BWA na administração do estádio Independência, que não possui bicicletário.

Este Projeto de Lei ainda precisa tramitar em outras comissões antes de ir a plenário. Desta maneira, na próxima terça-feira, dia 19 de maio, em horário e local a confirmar, haverá uma reunião em formato aberto, com o Vereador Daniel Nepomuceno. Acreditando na intenção do vereador de incentivar o uso da bicicleta como meio de transporte, a BH em Ciclo levará para a discussão todas as observações feitas acima sobre o referido Projeto de Lei, além de todas as outras demandas supracitadas.

Toda a movimentação em torno do PL1500/15 demonstra como o assunto “Bicicleta” precisa ser tratado com seriedade e dedicação pelo poder público, dialogando com a sociedade. Mesmo que tenha havido sensacionalismo em reportagens e que a real intenção do projeto não seja abrir espaço para uma obrigatoriedade que desestimula o uso da bicicleta como alternativa de transporte, nota-se como é necessário esse diálogo. Percebemos que os Projetos de Lei na Câmara não podem “surgir da cabeça” dos parlamentares sem embasamento, bem como as políticas públicas aplicadas pelo governo municipal demandam acompanhamento e discussão com os ciclistas. Estamos dispostos a continuar pressionando e participando, para que cada vez mais pessoas possam ter respeitado o direito de utilizar a bicicleta nas ruas de Belo Horizonte, independente do motivo (transporte, lazer, esporte, trabalho…).