O 4º Fórum Mundial da Bicicleta (FMB4), realizado em Medellín, Colômbia, entre os dias 26 de fevereiro e 1º de março de 2015, contou com aproximadamente 7 mil participantes, entre organizadores, cicloativistas e figuras políticas. Iniciado em Porto Alegre, Brasil, em 2012, o Fórum surgiu como uma forma dos cicloativistas unirem forças depois do atropelamento na cidade de 20 ciclistas pelo motorista Ricardo Neis, que atualmente encontra-se livre – há em andamento um pedido para acabar com essa impunidade. As edições seguintes permaneceram em cidades brasileiras, Porto Alegre (2013) e Curitiba (2014), até que este ano atravessou a fronteira nacional, indo para Medellín, Colômbia, e contou com a participação de quatro membros da BH em Ciclo.

A abertura do Fórum, em 25/02, foi realizada ao ar livre, na Praça em frente ao Teatro Pablo Tobón Uribe, promovendo a integração do evento com o espaço público da cidade. Após o discurso dos organizadores e de convidados, houve uma apresentação musical e, simultaneamente, uma Sicleada – pedalada organizada pelo movimento Siclas, de Medellín – com milhares de ciclistas.

No primeiro dia de atividades, houve o painel “Cidades para Todos”, com a presença do prefeito de Medellín – Aníbal Gaviria, a representante do Fórum de Transporte Sustentável da África – Hilary Murphy – e o diretor do documentário Bikes vs. Cars – Frederick Gertten. Entre os assuntos abordados estavam os desafios para a expansão da mobilidade por bicicleta, como a falta de dados, as prioridades atuais de investimentos em transporte e a dominação do automóvel.

Em seguida, ocorreram diversas oficinas e palestras, entre elas a plenária “BiciAtivismo: construindo a partir da cidadania”, cuja mesa foi composta exclusivamente por mulheres. Camila Pinzon, da Dutch Cycling Embassy – Holanda, ressaltou que o cicloativismo não é uma ação pontual, mas um processo contínuo, em que os cidadãos são o elemento chave, porém estes precisam envolver os gestores públicos na discussão.

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Evelyn Araripe falando sobre o projeto arRUAça (créditos: BH em Ciclo)

Evelyn Araripe, do oGangorra – São Paulo, Brasil, discorreu sobre o projeto arRUAça, que busca envolver jovens da periferia paulistana na coleta de dados, análise de deficiências e formulação de soluções para os problemas de mobilidade e planejamento urbano de sua comunidade, utilizando a bicicleta como uma ferramenta de mudança. Carmen Díaz, do FemiBici – Guadalajara, México, coletivo exclusivamente feminino que tem como meta empoderar e dar segurança às mulheres para não só pedalar, mas também tomar a frente nos movimentos cicloativistas, falou, entre outras coisas, sobre como a quantidade de mulheres pedalando em uma cidade é um indicador de segurança ciclística.

Falou também Gabriela Gallardo, do Carishina en Bici – Quito, Equador, coletivo que leva no próprio nome uma crítica ao tradicional papel dado à mulher pela sociedade machista, uma vez que carishina é uma maneira pejorativa de denominar aquelas que não se enquadram nesse padrão. Zhanar Shambetova, Velostan Group – Almaty, Kazaquistão, traçou um perfil do uso e dos usuários da bicicleta em sua cidade, além de citar alguns eventos ciclísticos.

No workshop “Como usar o espaço de Carros para Bicicleta”, o Coletivo Despacio apresentou diferentes formas de apropriação de espaços que originalmente foram criados para os veículos motorizados. Uma das ações promovidas pelo movimento foram as Vagas Vivas, desde 2011, em Bogotá, onde uma vaga de estacionamento foi ocupada com várias bicicletas dobráveis. Ao longo dos anos, com uma maior mobilização, as ações do Parking Day na cidade ganharam outras atividades. Foi apresentado também o Ciclopaseo das quartas, que se iniciou como uma pedalada no período de lua cheia na parte da noite, e após algum tempo tornou-se um passeio mais envolvido com o movimento ciclístico, ganhando características de pedal urbano. Atualmente o Ciclopaseo está diretamente ligado à promoção do uso da bicicleta e das ciclorrotas, e conta com grupo voluntário de logística, sinalizados com coletes e equipamentos advindos do apoio do setor privado. Todas estas ações são projetos em que se buscou a redistribuição do espaço público para visibilizar o transporte por bicicletas nas cidades colombianas.

Coletivo Despacio no workshop “Como usar o espaço de Carros para Bicicleta” (créditos: BH em Ciclo)

Coletivo Despacio no workshop “Como usar o espaço de Carros para Bicicleta” (créditos: BH em Ciclo)

No final da tarde, aconteceu a palestra “Transformando cidades através da bicicleta” ministrada pelo ex-prefeito de Bogotá, Enrique Peñalosa. Dentre os temas tratados o que mais nos chamou a atenção foi a afirmação dele de que a cidade reflete os valores de uma sociedade: quanto mais igualitária ela for, mais ela tem infra estrutura para pedestres e ciclistas. E, reciprocamente, quanto mais a cidade é feita para pessoas, mais igualitária é a sociedade que a habita. O primeiro dia foi encerrado com a reprodução do documentário Bikes vs. Cars, seguido de um bate-papo com o diretor, Frederick Gertten, e uma das protagonistas, Aline Cavalcante.

Enrique Peñalosa na palestra “Transformando cidades através da bicicleta” (créditos: BH em Ciclo)

Enrique Peñalosa na palestra “Transformando cidades através da bicicleta” (créditos: BH em Ciclo)

No segundo dia, estava marcada a apresentação da BH em Ciclo no Fórum, dentro da atividade BiciExploración, às 11:00. Infelizmente, porém, ela não ocorreu, por falta de quórum: literalmente não apareceu ninguém, nem as outras pessoas que iriam apresentar nem o moderador. Coincidentemente, conhecíamos o moderador e, ao questioná-lo sobre sua ausência, ele informou que os organizadores do fórum não haviam confirmado sua participação. Acreditamos, portanto, que houve falha na organização, além do fato de haver uma grande plenária com palestrantes considerados referência no mesmo horário, o que foi problemático porque disputou o público com as demais oficinas. Enviamos um e-mail à organização perguntando o que ocorreu, que foi respondido, mas ainda sem um posicionamento sobre o acontecido. Uma outra atividade simultânea, da UCB (União de Ciclistas do Brasil), teve a participação de apenas uma pessoa.

No mesmo horário da BiciExploración, aconteceu o painel “Cidades para Todas”, com a presença de Cristina Rojas, do FemiBici; Yesenia Sumoza, do Bicimamis; Patricia Luna, do Bicionarias, e Ximena Paltán, do Carishina en Bici, além do apoio de outros coletivos feministas, como Mujeres en Bici, Nosotras pedaleamos, PP, Señoritas al pedal, Chikes Bikes e Femmechanics Boston. O painel discutiu as dificuldades que as mulheres enfrentam quando decidem usar a bicicleta como meio de transporte, especialmente por serem mulheres, e compartilhou-se as diversas iniciativas que tem como objetivo o empoderamento das mulheres, criando meios para elas se sentirem seguras, não só em pedalar, como também em participar dos diversos movimentos ciclísticos.

Muitas vezes as cicloativistas relataram ser questionadas por terem criado grupos somente com mulheres. A justificativa para essa iniciativa é que em um meio somente de mulheres há uma interação natural onde a cada ação e discussão interna realizada experiências são trocadas fortalecendo este grupo. Além disso, a naturalização de práticas discriminatórias e machistas se reproduzem naturalmente, inclusive dentro dos movimentos ciclísticos. Por isso são realizadas propostas, ações autônomas dentro dos movimentos, debates de gênero e ações que questionam de que maneira as mulheres ocupam e podem ocupar este cenário. A bicicleta é vista como um instrumento de transformação: ela não seria o fim, mas sim um meio para a autonomia e a promoção de uma mobilidade mais justa.

Quando questionadas como podem ser feitas alterações na estrutura dos demais grupos ciclísticos para a inclusão de mais mulheres, as palestrantes sugeriram, como exemplo, que mulheres comecem a sugerir as rotas do trajetos dos passeios desses grupos. Disseram, também, que o feminismo se constrói na prática, e que a imagem que o discurso dos grupos fazem é muito importante. Este discurso é a base para solidificar a participação feminina e estabelecer a equidade entre os gêneros.

Painel “Cidades para Todas” (créditos: BH em Ciclo

Painel “Cidades para Todas” (créditos: BH em Ciclo

No final da tarde, aconteceu o painel “A Bicicleta para a transformação humana”,  com a participação da ex-secretária de transporte de Nova Iorque, Janette Sadik-Khan, da Bloomberg Associates. Janette foi uma das responsáveis pela mudança de paradigma ocorrida na cidade nos últimos anos e, dentre outras coisas, ressaltou que as mudanças seriam impossíveis sem a participação dos ativistas locais, que as bicicletas compartilhadas também tiveram um papel importantíssimo no processo e, confirmando o discurso de outros oradores, deixou bem claro que a criação da infraestrutura adequada – segundo ela, diferentes vias necessitam diferentes designs para inserção dos ciclistas – fez com que a demanda reprimida aparecesse, ou seja, primeiro damos segurança, depois os ciclistas ocupam as ruas. Em seguida falou Jaime Ortiz, ativista, arquiteto e co-fundador da Ciclovia de Lazer de Bogotá. Ele discorreu sobre como a luta contra a hegemonia do transporte motorizado em Bogotá começou em 1974; ele chamou a atenção para a importância das bicicletas cargueiras no aumento de bicicletas na rua e sugeriu que a solução para os nossos problemas de mobilidade virá de alternativas locais, que temos que parar de nos mirarmos tanto em soluções europeias e criar soluções baseadas nas peculiaridades de cada cidade. Por último falou Mike Lydon, da Streets Plans Collaborative, sobre Urbanismo Tática, que consiste em realizar intervenções urbanas de baixo custo e de curto prazo de implantação.

No terceiro dia ocorreu durante a manhã a oficina “A Unidade Urbanística da Bicicleta | Mais esperto que o carro”, que debateu formas da população intervir, por conta própria ou não, no cenário urbano, como com intervenções que reduzam a velocidade dos veículos e “criem” ciclofaixas cidadãs que não estavam no planejamento local. À tarde, dando continuidade ao tema abordado no início do dia, foi escolhida uma área de atuação para que, no dia seguinte, fosse implantada, pelos voluntários, uma ciclofaixa que buscasse ligar outras existentes e, ao mesmo tempo, induzisse a população dos arredores a participar e ter outras iniciativas independentes similares.

Aconteceu na parte da tarde a oficina “Design para Segurança do Ciclista” com um participante da EMBARQ e uma da Cycling Embassy of Denmark. Entre várias infraestruturas que promovem mais segurança e mais percepção de segurança, destacam-se os bike boxes, que permitem o posicionamento das bicicletas à frente dos carros nos semáforos, os semáforos específicos para bicicletas que abrem alguns segundos antes dos carros e os contadores de ciclistas que servem para contar os ciclistas e também mostrar que os ciclistas contam. No final chegamos todos à conclusão de que o que reduz o número e a gravidade dos acidentes envolvendo pedestres e ciclistas é a diminuição da velocidade dos veículos motorizados, de preferência para 30km/h. Mas se reduzirmos a velocidade regulamentada e o design da via permitir velocidades maiores, a limitação não vai funcionar.

Além das atividades descritas acima, os membros da BH em Ciclo participaram de outras atividades, como “Redes Nacionais de Ciclismo”, “Coletivos Cidadãos na Colômbia”, “Como usar o espaço do carro para a bicicleta” e “A bicicleta como arte urbana”. Também houve o lançamento do livro “A Realidade da Bicicleta no Brasil”, que teve a participação da BH em Ciclo na sua elaboração.

No último dia, 01/03, ocorreu a Assembleia Geral do Fórum Mundial da Bicicleta, no Teatro Pablo Tobón Uribe. O objetivo principal era decidir a próxima sede, mas também haviam outros pontos de pauta, como a eventual criação de pessoa jurídica para o Fórum e a discussão sobre a reformulação da carta de princípios do evento. A discussão foi intensa e por vezes até gerou atritos significativos. Houve uma grande polêmica sobre se o Fórum deveria se “profissionalizar” e se resguardar quanto a direitos autorais e o que isso implicaria em termos de perder a filosofia original do evento. No final houve a apresentação das cidades candidatas a sediar o 5º FMB: Quito (Equador), Santiago (Chile), Buenos Aires (Argentina), Moscou (Rússia), São Paulo (Brasil) e Cidade do México (México), sendo eleita, por votação entre os participantes da assembleia pública, Santiago do Chile.

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Vitória do Chile para sediar o FMB5 (créditos: BH em Ciclo)

Foi percebido que o FMB4 ficou mais focado em palestras de grandes nomes da mobilidade em detrimento de uma maior interação entre os vários coletivos presentes, o que empobreceu o debate, criando obstáculos à troca de experiências locais. A programação do evento colocou, frequentemente, atividades paralelas às grandes conferências, o que acarretou o esvaziamento daquelas. Outro ponto que chamou muito a atenção – e nesse caso de maneira positiva – foi a presença significativa de mulheres, tanto nas mesas como na plateia, mostrando a crescente participação delas no cenário ciclístico, reforçando o papel da bicicleta no empoderamento feminino.