No dia 25 de novembro é lembrado o Dia Internacional pelo Fim da Violência contra a Mulher, em homenagem às irmãs Mirabal, mortas pela ditadura dominicana da década de 1960. A data também deu início dos 16 Dias de Ativismo Contra a Violência de Gênero que termina no Dia Internacional dos Direitos Humanos (10/12).
Embora a data seja lembrada em algumas cidades da América Latina, não costumava ser celebrada em BH. Como as ideias e ideais conservadores têm avançado no Brasil, e sabemos que esse cenário reflete diretamente na violência de gênero resolvemos fazer um pedal para dizer que diante das opressões, dezenas de mulheres, e também homens, foram às ruas dizerem “NÃO!” à violência contra a mulher, numa pedalada linda que se iniciou no Centro de Referência de Violência Contra a Mulher. O pedal teve o intuito de dar luz e desnaturalizar as agressões físicas, psicológicas e simbólicas que as mulheres sofrem diariamente dentro de casa, nas escolas, universidades, no mercado de trabalho e no espaços públicos.
Foi lindo, foi simbólico, e que saibam que diante das opressões, “NÃO NOS CALAREMOS!“.
A pedalada pelo fim da violência contra a mulher foi organizado pelos coletivos Bicimanas, BH em Ciclo, Bike Anjo, AJUP-UFMG, Grupo Alcatéia sem Pressa e Casa Tina Martins.
Para fazer a transição ao longo dos 16 dias, a BH em Ciclo contou histórias de 16 mulheres incríveis que pedalam em BH. Abaixo, elencamos todas elas, na ordem em que foram postadas.
Para começar, Amanda Corradi | arquiteta, urbanista e associada da BH em Ciclo
“A bicicleta entrou na minha vida já na fase adulta. Até meus 21 anos eu nunca tinha subido em uma. Nesta época, estava fazendo meu trabalho final de graduação e escolhi o tema da mobilidade urbana como base. Ao longo da pesquisa fui entendendo um pouco mais sobre o deslocamento por bicicletas e como isso poderia ser benéfico para cidade. Então, para concluir meu trabalho, fui aprender a pedalar para visitar minha área de estudo.
A partir daí comecei a enxergar e viver a cidade de uma outra forma. Conheci muitas pessoas, fiz amizades a partir da bicicleta, conheci novos lugares e possibilidades de experiências.
Por algum tempo, pedalar em BH pra mim foi um desafio enorme: conseguir ter segurança para vencer distâncias maiores, passar por algumas avenidas mais movimentadas e até mesmo compreender a lógica do trânsito foram (e ainda são) coisas que vão se tornando mais fáceis, à medida que eu utilizo a bicicleta. Estamos longe de ter uma cidade que seja de fato amigável à esse modo de transporte, mas considerar que é uma opção possível foi o primeiro passo para cogitar utilizar no meu dia a dia.
Refletindo a sociedade, que entre tantas outras coisas é carrocrata, machista, e patriarcal, assim como em diversos espaços e situações, estas questões também são presentes no trânsito, e até mesmo entre quem utiliza a bicicleta. Muitas vezes somos subestimadas enquanto seres que se deslocam de maneira independente, somos questionadas sobre nossas escolhas, repreendidas e desestimuladas a seguirmos adiante. E também tem o assédio.
Nos fazem acreditar que não temos direito à cidade.
Que não podemos sair sozinhas, que não é certo ficar até tarde na rua, que somos fracas e não aguentamos pedalar, e por isso é melhor não sair, que estamos erradas se sofrermos algum tipo de violência, pois o espaço público não é pra gente. Ideias ultrapassadas.
De maneira ampla, acredito que é necessário compreender como as barreiras territoriais, sociais, econômicas, de gênero e de raça interferem na nossa dinâmica, com relação às nossas atividades e deslocamentos, e assim entender quais são as principais prioridades para que possamos promover uma cidade mais justa, para os mais diversos perfis de mulheres.
Já no nosso dia a dia, acho que uma maneira de contribuir para que mais mulheres pedalem é primeiramente promovendo o fortalecimento. Você pode trocar experiências e dicas, incentivar as mulheres ao seu redor, ouvi-las, respeitá-las e dar suporte quando necessário. Além disso, existem grupos exclusivo de mulheres que pedalam em BH, e pode ser uma ótima maneira de começar.”
A segunda foi a história da Carla | fisioterapeuta e promotora da saúde
“Eu comecei a usar a Bici em BH , para meio de transporte, me deslocar até o trabalho e dentro da cidade, de forma mais rápida e mais agradável e também como forma de promoção da saúde/autocuidado, por ser também uma atividade física.
Minha experiência com a bici em Bh tem sido muito positiva, gosto muito, apesar de alguns desafios. Vejo que as pessoas ainda ficam bem curiosas quando vêem a bici pelas ruas, tanto homens quanto mulheres, creio q ainda somos bem poucas e poucos ciclistas frente ao enorme número de carros.
As vezes falta a educação dos motoristas quanto a preferência e espaço das bicicletas mas isto vejo que em alguns locais que passo tem melhorado. Temos também poucas ciclovias e algumas mal cuidadas e mal demarcadas. Quanto ao assédio/ violência acho que a probabilidade de ocorrer é a mesma andando de bicicleta, a pé, de carro ou ônibus. É uma cultura machista e violenta que infelizmente ainda existe, mas estamos nos movimentando para que tenha fim!
Que a sociedade respeite nossos direitos, inclusive de ir e vir como bem quisermos. Enfim por mais mulheres pedalando sugiro mais ciclovias pela cidade, manutenção das que já existem, iluminação e segurança nas ruas, mais políticas públicas e campanhas educativas para informar e incentivar esse meio de mobilidade saudável, que não agride ao meio ambiente, que faz bem pra saúde: pra mente e pro coração!”
A terceira, a da Karina
“Tenho 23 anos e pedalo há dois anos como meu meio de transporte principal.
Eu morava no bairro Boa Vista, região leste de BH, e sempre gostei de bike, mas meu ex-namorado fazia muitos comentários machistas sobre o uso da bicicleta por mulheres. Quando fui terminar esse relacionamento abusivo, fui brutalmente agredida e além disso ele roubou meu carro.
Esse foi o impulso maior! Comprei uma bike usada (por 350 golpinhos) e pedalei todos os dias até a Savassi e o Anchieta, onde eu trabalho. Fazia 21km por dia e me sentia muito forte e independente. Hoje em dia, pedalo menos, pois moro no Anchieta, mas não deixo de usá-la todos os dias! Sinto que a bicicleta faz parte do meu corpo já.
Conheci as Bicimanas assim que comecei a pedalar e me joguei de cabeça em pedais femininos. Neles, interagimos, planejamos e organizamos muitos rolês, tentando de tudo para trazer, cada vez mais, as mulheres para as ruas usando bikes.
A realidade nos mostra que ainda são poucas mulheres pedalando e não há um incentivo da nossa cidade para mudar isso. Para completar, as ciclovias são poucas e ainda há o preconceito vindo de comentários feitos por motoristas que passam por mim, além do risco a violência entre assaltos e agressões.
Mas não podemos desistir!!! Meu sonho ainda é poder passar pedalando pela cidade vendo várias manas ao meu redor indo pro trabalho, pra academia, pra faculdade (…) usando uma bicicleta!”